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Todo dia um “7 a 1” diferente

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Todo dia um “7 a 1” diferente

Uma das coisas que mais tornam os brasileiros conhecidos no mundo é a sua íntima ligação com o futebol. Mas não só de alegrias é feita a paixão da maioria dos brasileiros pelo esporte.

Em 1950, numa Copa do Mundo realizada no Brasil, a seleção brasileira foi derrotada pelo Uruguai na partida final, realizada no estádio do Maracanã. Oito anos depois, na Suécia, o Brasil conquistou o primeiro de seus cinco títulos mundiais. Porém, a derrota para o rival Uruguai permaneceu incomodando os brasileiros ao longo das décadas e, injustamente, o goleiro Barbosa foi lembrado como o principal responsável pelo fracasso de 1950.

Barbosa, goleiro da seleção brasileira na Copa de 1950

Sendo campeão das edições de 1958, 1962, 1970, 1994 e 2002, e apresentando para o mundo inúmeros craques, o Brasil passou a ser reconhecido como “o país do futebol”. Realmente, apesar da derrota por 2 a 1 contra o Uruguai era um incômodo, mas o fato de ainda ser a única seleção pentacampeã, dá aos brasileiros um sentimento de orgulho. Ou dava, até chegar o dia 8 de julho de 2014.

2014 foi o ano de mais uma Copa do Mundo da FIFA realizada no Brasil. A seleção brasileira vinha de uma campanha vitoriosa na Copa das Confederações sediada no Brasil em 2013 e o clima para a Copa do Mundo era muito favorável.

Conquista da Copa das Conferderações, em 2013

Porém, a partir do primeiro jogo contra a Croácia, muitas pessoas que acompanham futebol perceberam que, mesmo com uma vitória por 3 a 1, o Brasil não tinha feito um bom jogo. Ainda na fase de grupos, o Brasil empatou com o México por zero a zero e venceu Camarões por 4 a 1. Nas oitavas de final, após um empate por 1 a 1, o Brasil venceu o Chile nos pênaltis. No jogo das quartas de final contra a Colômbia, o Brasil perdeu Neymar, seu principal jogador, mas venceu por 2 a 1. E na semifinal, tendo a forte Alemanha pela frente, os brasileiros tiveram a sua maior derrota na história das Copas. Um avassalador 7 a 1 numa Copa do Mundo realizada no Brasil.

Comemoração alemã de um dos seus 7 gos contra o Brasil

O resultado escancarou uma crise na relação entre brasileiros e seleção de futebol. Muitas pessoas já não acompanhavam a seleção brasileira há um tempo. Com jogadores indo para o exterior cada vez mais jovens, a seleção vinha num processo de perda de afinidade. Por exemplo, na última Copa do Mundo, realizada no Qatar, no único jogo que assisti, não conhecia praticamente metade do elenco. Eu sou torcedor do Santos Futebol Clube, famoso por ter revelado Pelé para o mundo. O Santos sempre teve a tradição de revelar bons jogadores e conquistar títulos. As categorias de base do Santos sempre foram muito eficientes na preparação de jogadores para o time profissional. Mas, em especial na última década, o Santos praticamente lança jogadores no time profissional para rapidamente se transferirem para times da Europa. Em 2019 o atacante Rodrygo foi vendido para o Real Madrid e, ao completar 18 anos, se transferiu para o time espanhol. Na janela de transferência internacional deste ano uma grande promessa saiu do Santos para o Chelsea da Inglaterra. Com recém completados 18 anos, David Washington foi vendido após apenas 16 partidas como profissional e 2 gols.

Deivid Washington, novo atacante do Chelsea da Inglaterra

Isso acontece com a maioria dos times brasileiros. Com a interferência de empresários que criaram o estigma de que com 20 anos um jogador já está velho para ir para a Europa, seja por pressão do próprio jogador ou por necessidade financeira, os clubes brasileiros se desfazem muito rapidamente das joias de suas categorias de base. Muitos adolescentes já nem torcem para times brasileiros. O 7 a 1 contra a Alemanha criou um sentimento de vergonha e a ida muito precoce de jogadores para a Europa fizeram com que muitos jovens brasileiros torçam para times da Espanha e da Inglaterra principalmente. Há alguns anos que eu acompanho muito mais as competições das categorias de base do Santos do que do time profissional. Não se surpreendam se eu chegar um dia e falar de um jogo do sub-15 do Santos.

Para muitos, o 7 a 1 foi um verdadeiro balde de água fria. Ou seja, muita gente não esperava e foi impactada de forma traumática. Mas para quem já vinha acompanhando a decadência do futebol brasileiro e a perda de qualidade técnica dos jogadores, o resultado contra a Alemanha não gerou tanta surpresa. Muita gente sabia que algo ruim poderia acontecer. Só não se sabia nem quando e onde.

O que os brasileiros têm também é a imensa capacidade de “rir da própria desgraça”. Desta forma, o 7 a 1 virou uma piada interna entre a população brasileira. É muito comum algum trabalhador brasileiro, que tem um baixo salário, depende de transporte público lotado, e que tem todos os tipos de problemas, dizer que “todo dia é um 7 a 1 diferente”. Independentemente da pessoa gostar ou não de futebol, continuar acompanhando ou não a seleção brasileira, o 7 a 1 virou sinônimo para coisas que dão errado.

Se uma pessoa é demitida do emprego, é um 7 a 1 na vida dela. Se o casamento está em crise, é um 7 a 1 na vida do casal. Se o carro quebrou, mais um 7 a 1. Ou seja, o 7 a 1 pode ser usado para descrever as mais diversas situações.

E diferente da “tragédia do Maracanã” em 1950, o 7 a 1 contra a Alemanha é democrático. Se, por décadas, o goleiro Barbosa foi responsabilizado de forma injusta pela derrota para o Uruguai, o 7 a 1 contra a Alemanha divide igualmente a responsabilidade e vergonha a todos os jogadores que disputaram a Copa de 2014.

Gol marcado pelo Uruguai contra o Brasil na final da Copa de 1950

O 7 a 1 foi um choque de realidade para os brasileiros. Desde a última conquista em 2002, o Brasil acumulou fracassos em Copas do Mundo. Se serve de consolo, regionalmente o Brasil ainda continua mais forte que os nossos vizinhos quando o assunto é Copa Libertadores da América e times brasileiros, argentinos, uruguaios, chilenos, paraguaios, colombianos. O Brasil reina soberano na Copa Libertadores. A seleção da Argentina venceu a Copa de 2022. Mas eles ainda têm apenas 3 títulos. O Brasil tem 5. Aliás, a seleção brasileira é a única seleção com cinco títulos mundiais. A dúvida é: até quando?

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