Por que o interior do nordeste do Brasil tem um histórico violento?
Por que o interior do nordeste do Brasil tem um histórico violento?
O povoamento da região nordeste sempre teve um caráter de disputa. Se, antes da chegada dos europeus, tribos indígenas disputaram espaços por milênios, com a expansão portuguesa as disputas violentas se acentuaram. Etnias indígenas se enfrentaram em busca dos locais em que podiam ter uma maior oferta de alimentos, tanto de origem vegetal como animal. Portanto, em grupos humanos nômades, os conflitos sempre existiram, muito provavelmente desde a chegada dos primeiros humanos no Brasil há cerca de 12 mil anos.
Com a presença portuguesa, os conflitos se intensificaram. Forçando alianças com grupos mais fortes, os portugueses formaram exércitos indígenas armados para tomarem regiões ocupadas por etnias inimigas. Isso ocorreu em praticamente todo o Brasil, não só na região nordeste.
A região nordeste é muito grande, portanto, a sua ocupação ocorreu em tempos e formas diferentes. O nordeste oriental (Pernambuco, Paraíba, Alagoas, Sergipe, Rio Grande do Norte e parte da Bahia) foi responsável pelo primeiro ciclo econômico de cultivo de cana-de-açúcar. O pau-brasil foi um ciclo econômico extrativista. Ou seja, não havia o replantio da árvore. A produção de cana necessitava de uma área bastante grande e uma quantidade significativa de trabalhadores. Desta forma, a Coroa portuguesa decidiu pela escravidão indígena num primeiro momento. Devido à demanda por escravos e com uma população estimada em 7 milhões de indígenas, as autoridades portuguesas temendo o desenvolvimento de empresas especializadas na captura e venda de escravos nativos. Assim, para impedir um desenvolvimento econômico independente, Portugal impôs a proibição da escravidão indígena e forçou a importação de escravos africanos. Empresas portuguesas caçavam e transportavam africanos para o Brasil, com os colonos pagando um alto valor por eles. Desta forma, tanto as empresas portuguesas lucravam, bem como a Coroa portuguesa arrecadava impostos e, ao mesmo tempo, não permitia uma economia independente da colônia.
A maioria dos escravos africanos trabalhava nos engenhos de cana do litoral. E, à medida que o avanço português ao norte seguia, em busca de novos espaços para o cultivo da cana-de-açúcar, era necessário guerrear com tribos indígenas.
Após a ocupação da região litorânea canavieira, duas frentes passaram a ocupar o interior. Uma saindo do sul, a partir da Bahia, e outra no sentido leste-oeste. Assim como a ocupação litorânea, a invasão europeia no interior foi igualmente violenta. O litoral era responsável pela produção de cana-de-açúcar para o mercado externo. O interior, na medida em que foi ocupado, passou a constituir propriedades agrárias para a produção de legumes, verduras, frutas, e animais, como caprinos e bovinos.
Um importante movimento contra o avanço português no interior do nordeste ficou conhecido como “Confederação dos Cariris” ou “Guerra dos Bárbaros”. Esse movimento unificou indígenas de várias etnias e culminou com uma guerra contra tropas coloniais entre os anos de 1682 até 1713. Assim como muitas etnias do litoral, muitos grupos indígenas do interior também foram completamente exterminados.
O desenvolvimento de boa parte do interior nordestino se deu com um pouco mais de independência. O litoral açucareiro era vigiado de perto pelas autoridades portuguesas, que procuravam impedir o contrabando de açúcar. No interior, sem uma presença tão forte de membros da administração portuguesa, fazendeiros passaram a obter domínio político, econômico e social. Neste período surgiu o conceito de “coronelismo”, onde um proprietário rural controlava extensas regiões. Nas fazendas do interior a base da classe trabalhadora era composta por mão-de-obra livre. Grande parte era de cristãos-novos portugueses. Cristãos-novos eram judeus forçados a se converterem ao catolicismo. Muitos dos cristãos-novos, acreditavam que, longe de Portugal, poderiam praticar livremente o Judaísmo. Porém, junto com os colonizadores portugueses, ordens religiosas também se instalaram no Brasil, como jesuítas, carmelitas, beneditinos e franciscanos.
Várias regiões do interior do nordeste foram palcos de conflitos violentos também devido à fuga de escravos da região canavieira e à formação de quilombos. Os quilombos eram agrupamentos ocupados principalmente por escravos negros, mas que também reunia indígenas e brancos que fugiam da exploração em fazendas do interior. Por séculos, quilombos surgiram e foram destruídos, em guerras bastante sanguinárias. A história dos quilombos é muito importante no contexto da escravidão africana no Brasil.
Em oposição ao domínio dos coronéis no interior do nordeste, no início do século XIX, surgiu o movimento conhecido como Cangaço. Vários grupos cangaceiros surgiram ao longo do tempo, até o seu final, por volta da década de 1940.
O Cangaço foi uma forma de banditismo social, onde seus membros saqueavam fazendas e cidades. O grupo cangaceiro mais temido e mais famoso foi sem dúvidas o comandado por Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião.
Com o desenvolvimento e diversificação da economia no interior do nordeste, muitas camadas populares se formaram. Os coronéis estavam no alto da pirâmide hierárquica. Membros da Igreja também dispunham de alguns poderes, assim como funcionários administrativos, seja do Brasil Colônia (século XVI ao XIX), Brasil Império (1808 a 1889) ou Brasil República (a partir de 1889). Até 1888, eram frequentes os conflitos com escravos, mas também com pequenos produtores que arrendavam terras de coronéis.
Após a independência do Brasil em 1822, várias transformações políticas foram necessárias. Se grande parte de pequenos produtores e comerciantes eram explorados por políticos e coronéis regionais, uma série de leis impostas pelo imperador Dom Pedro II passou a vigorar. Uma das mais importantes revoltas contra medidas das autoridades imperiais foi o “Ronco da Abelha”, que se iniciou na então província da Paraíba, em 1851, e se espalhou pelas províncias vizinhas. O estopim para a rebelião popular foi a obrigatoriedade de emissão de certidões de nascimentos. A população da época enxergava aquilo como uma forma de mecanismo para tornar mais fácil uma possível escravidão das classes mais pobres.
Outro movimento de rebelião bastante importante foi a “Revolta de Quebra-Quilos”. Em 1862, o Império aprovou uma lei determinando que o sistema de pesos e medidas em uso seria substituído pelo sistema métrico francês referente a medida, capacidade e peso. O novo sistema tinha como objetivo facilitar a cobrança de impostos sobre produtos. O novo sistema entrou em vigor em 1872. A revolta se iniciou no povoado de Fagundes, próximo à cidade de Campina Grande, na Paraíba. O movimento se alastrou pela Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Bahia, Piauí, Ceará e Rio Grande do Norte. Os revoltosos passaram a destruir balanças distribuídas pelas autoridades. Além disso, invadiram cartórios de várias cidades e cadeias, libertando presos. O movimento ganhou adesão de escravos, tendo a maior liderança negra na “Revolta de Quebra-Quilos”, Manuel do Carmo que transformou a rebelião em movimento libertário exigindo a abolição da escravidão e a emancipação dos escravos.
Durante o século XX, o maior movimento de trabalhadores no interior foi organizado pelas Ligas Camponesas. As Ligas Camponesas surgiram em Pernambuco em 1955 no Engenho Galileia, mas logo se espalhou por estados do nordeste, mas também das regiões sudeste e centro-oeste. As Ligas Camponesas lutavam principalmente contra o “cambão” – obrigação de trabalhar gratuitamente alguns dias da semana na propriedade da fazenda. Se inspirando no exemplo de Galileia, em 1958 João Pedro Teixeira, João Alfredo Dias e Pedro Inácio de Araújo fundaram a Liga Camponesa de Sapé, localizada a cerca de 60 quilômetros de João Pessoa, capital da Paraíba. A Liga Camponesa de Sapé tornou-se a associação com o maior número de membros: cerca de 10 mil trabalhadores rurais. João Pedro Teixeira foi assassinado a mando de latifundiários da região em 1962 e o movimento foi massacrado pela ditadura militar após o golpe em 1964.
O interior do nordeste, seco e árido, sem cores e cheio de contrastes sociais foi, desde a ocupação portuguesa, palco de lutas, rebeliões e guerras. Ao longo de séculos, negros, indígenas e brancos sofreram num lugar onde praticamente sempre predominou a violência.
Atualmente, com o crescimento das cidades e o fim do isolamento de períodos anteriores, o interior do nordeste enfrenta os problemas sociais comuns de várias outras regiões do país, principalmente em relação ao tráfico de drogas, assaltos e homicídios. Lógico que os índices de criminalidade variam de um lugar para o outro, sendo algumas cidades bastante violentas, outras menos, e umas tantas com baixíssimos casos de violência urbana.