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Lygia Fagundes Telles, do concreto ao imaginário

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Short Stories

Lygia Fagundes Telles, do concreto ao imaginário

Texto de Heitor Montipó Lopes: Análise crítica do conto “A estrutura da bolha de sabão”

 

A estrutura da bolha de sabão se apresenta como um dos contos mais famosos da autora Lygia Fagundes Telles, tanto que é ele que dá título ao livro no qual está inserido. Lygia tem um estilo de escrita e uma sensibilidade ímpar. A maneira como traduz suas lembranças e sentimentos em palavras, como se relaciona o real e com o imaginário, um olhar que encara um mundo com firmeza e coragem, mas que não perde sua inocência e poética no contato com as coisas. Todas essas características e muitas outras iremos encontrar no conto aqui a ser analisado.

O fragmento se encontra na metade do livro, ou seja, para aqueles que só cheguem a ler o conto de forma isolada, encontrarão a história já em andamento. Contudo, ainda que se chegue na metade do caminho, é possível compreender e se relacionar com o momento da personagem principal. Acompanhamos uma mulher que acidentalmente reencontra seu ex esposo, um físico que estuda a estrutura da bolha de sabão. Neste momento ele está casado com outra mulher. O contato desequilibra os sentimentos da nossa protagonista, resgata memórias que ela nem lembrava mais que tinha, a faz questionar suas emoções e coloca o desafio de enfrentar o passado agora no presente.

Dentro das cinco páginas que marcam o conto, é visto todo um impacto que o físico deixou na personagem, ele tem um ar um tanto manipulativo, cínico, não sendo totalmente transparente com seus sentimentos, sendo rígido e insensível. Ele é o total oposto de uma bolha de sabão. Já a sua nova esposa exala uma certa rivalidade com a protagonista, como se ela quisesse exibir o amor que ela e o físico partilham. Lygia conduz essa relação entre os três de uma forma bem curiosa, principalmente quando observamos os diálogos. Ela não tem um formalismo rígido quando se trata de marcar onde começa a fala de um e onde começa a do outro. Trabalha dentro de um discurso indireto, livre em primeira pessoa, com tudo se mesclando, mas ainda assim sendo possível de compreender. Esse recurso linguístico vai ser algo interessante de se analisar quando temos em mente a relação que a autora cria entre o concreto e o imaginário, o real e o lúdico de se prender às regras ou de se libertar nas expressões e formatos.

No livro como um todo encontramos a protagonista em uma constante busca por sua identidade, presa em uma bolha, tentando compreender seu espaço no mundo, sua relação com a família e principalmente com o amor. É assim possível entender que tanto o conto que estamos estudando, como o livro todo, exploram as relações individuais e entre pessoas, buscando desenvolver o distanciamento íntimo da protagonista com aqueles que a cercam, mas também com ela mesma se compreende.

Quando temos isso em mente é possível perceber a ideia da bolha de sabão além de algo banal e infantil. O conto procura nos fazer entender a bolha de sabão por um olhar que a vê como uma estrutura delicada, que fecha um ciclo que envolve uma superfície de tensão no ar. Para a autora o amor, é como uma bolha de sabão, algo frágil, que deve ser cuidado, pois pode estourar a qualquer momento. É uma cápsula transparente que envolve um espaço, que circula algo, que envolve e que isola. Por esse motivo, encontramos diversos sentidos no texto para a analogia da bolha de sabão dentro da vida da protagonista, a começar com o seu relacionamento familiar, a ideia de quanta tensão e pressão um vínculo aguenta antes de se romper, de laços invisíveis que nos fecham sem a gente perceber. Também é possível perceber paralelos no relacionamento amoroso. Qual o limite da conexão, a importância da transparência dentro de uma união.

No conto encontramos diversos temas centrais, seja o ciúme, a amizade, o distanciamento social, a fragilidade na existência e entre outros. Em meio a isso Lygia vai desenvolver um pouco de cada um destes sentimentos, primeiramente com bastante sensibilidade e empatia, e em um segundo momento, ligando todas essas esferas ao conceito místico, metafórico e estrutural da bolha de sabão, e isso será também um dos grandes diferenciais do conto, de não só falar sobre sensações íntimas, mas perceber como esses sentidos abstratos se ligam a realidade, ao que é visível e atingível.

Ainda assim é significativo analisar que, apesar de aparentar ser extremamente delicada e frágil, a bolha de sabão é bem resistente, se sustenta no ar e consegue até voar, resistindo ao vento e às adversidades. Quando Lygia Fagundes nos convida a olhar para a bolha de sabão com esmero e precisão, gera um nível de abstração que liga fortemente a própria ideia do amor. No conto ela fala “uma bolha de sabão é mesmo imprecisa, nem sólida nem líquida, nem realidade nem sonho” isso nos faz pensar como a autora mistura o surreal com o real, o lúdico com o verossímil, nos leva em um mundo que apesar de tratar de assuntos e temas que convivemos no dia a dia, trilha seu caminho pela imaginação. A linguagem da autora é leve, não se prende em um formalismo narrativo, brinca com a continuidade temporal, cria analogias e metáforas a partir de objetos. Como quando fala “me refugiei nos cubos de gelo amontoados no fundo do copo”. Não é somente contar uma história, é sobre envolver em sua estrutura e linguagem as diversas voltas que a mente e o coração dão.

A bolha de sabão é algo que enxergamos, que podemos tocar, parece real, mas quando olhamos atentamente, percebemos um fluxo de cor que se alterna. A luz refrata na superfície e cria algo ilusório, mágico, nesse momento nem lembramos o que é real. Assim como nos perdemos na atração que a bolha projeta, também podemos nos perder no amor, nas relações familiares e em outros tipos de vínculos, às vezes chegando até a esquecermos quem somos.

Este conto me encantou bastante, me fez em poucas palavras embarcar em um novo cosmos, sentir a solidão e a libertação da personagem, compreender o conflito de alguém que busca formas e respostas em meio à confusão, que podem envolver nossos próprios sentimentos. O que Lygia faz marca a literatura brasileira no sentido de propor a conjunção entre o real e o lúdico, entre a concretude, a forma material dos objetos e das situações e a magnitude espiritual e simbólica que deles surgem. Por conta desse e de outros motivos eu poderia afirmar que “A estrutura da bolha de sabão” é recomendável não só para leitores brasileiros, mas também para qualquer pessoa que deseja se envolver e se aprofundar na história de um romance, de um conflito familiar e nas próprias emoções. E no fim se encontrar ou se perder dentro desse fluxo.

 

 

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