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Bacurau

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Filme da Semana The Movie Club

Bacurau

É um desafio enorme escrever sobre o filme “Bacurau”. Primeiramente por eu ser um fã assumido do Kleber Mendonça Filho, que dirige o longa junto com Juliano Dornelles. Em segundo lugar, porque, nascido no estado de São Paulo, mas vivendo na região nordeste, no estado da Paraíba desde 1994, me sinto mais nordestino que paulista. Coisa que, obviamente, me faz sentir mais íntimo da população de Bacurau do que de outros dois personagens que surgem um pouco antes do primeiro ponto de virada do filme. Um outro ponto remete às referências que o filme faz. O nome da escola do povoado não foi escolhido à toa; João Carpinteiro é uma clara homenagem ao cineasta John Carpenter. E a forma como o mistério se desenrola em “Bacurau” também é inspirado em algumas das características das obras do diretor norte-americano.

Lançado em 2019, Bacurau nos é apresentado como um pequeno povoado fictício. Porém, demonstra com muito realismo a situação de um lugar distante, pobre e esquecido, e que muitos preferem ignorar. De esquecido, é abandonado. E de abandonado, é considerado descartável. É possível afirmar que há milhares de “Bacuraus” espalhadas pelo Brasil, seja nos lugares mais remotos e de difícil acesso, seja nas favelas de grandes metrópoles como Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Salvador ou Recife. E o esquecimento, abandono e descarte podem vir da classe política ou de uma parcela da população que se considera superior aos moradores das “Bacuraus” distribuídas pelos quatro cantos do país.

Os diretores escolheram o espaço sideral para nos apresentar o nordeste brasileiro. Logo em seguida, nos colocam na cabine de um caminhão-pipa, que traz de volta para Bacurau uma antiga moradora para participar do velório de sua avó, dona Carmelita. Teresa, interpretada por Bárbara Colen, é a personagem mais importante do longuíssimo primeiro ato. É ela quem nos conduz para dentro do povoado, nos apresentando a geografia do vilarejo, aos moradores que vivem ali e à função que cada um deles desempenha no local. A partir do primeiro plot o filme passa a não ter um ator ou atriz que possa ser considerado como protagonista. Teresa já cumpriu a sua função de nos familiarizar com o lugar. A partir de agora o próprio povoado de Bacurau se torna o protagonista.

Teresa, interpretada pela atriz Barbara Colen

“Bacurau” enfia o dedo na ferida para mostrar que não deveria haver qualquer tipo de precificação de vidas, baseado no local onde uma pessoa nasceu e vive, nas condições de vida que lhe são impostas, ou ainda em quanto de dinheiro uma pessoa tem ou deixa de ter em sua conta bancária. De forma chocante, o longa mostra que a xenofobia interna de uma parcela da população brasileira em relação ao nordeste é mera ilusão. Se algumas pessoas têm uma sensação de superioridade por serem de determinadas regiões do país, “Bacurau” “esfrega na cara” que elas estão muito mais próximas dos moradores do povoado de Bacurau e são muito mais parecidas com eles do que com que com povos de outros países ou continentes. O filme relembra, para quem escolher vestir a carapuça que, se nasceu no Brasil, é “bacurau”.

Karine Teles e Antonio Saboia, como os forasteiros

“Bacurau” é cheia de cenas e sequências emblemáticas. Com o desenrolar da trama, percebemos que um simples museu, perdido num pequeno povoado, distante de tudo, esquecido por todos, tem uma representatividade enorme. Tomamos consciência disso somente depois dos eventos que ocorrem na trama. E fica no ar que um evento cruel como o ocorrido talvez não tenha sido o primeiro. 

Apesar do filme se passar num futuro próximo, muitas questões abordadas são bem atuais. A construção narrativa de “Bacurau” propõe a interação não tão pacífica entre pessoas distintas e distantes da realidade do lugar. O filme alterna trechos reflexivos, simbólicos e contemplativos, principalmente no primeiro ato. Porém, no segundo e terceiro atos, é estabelecido uma nova dinâmica que reconfigura as ações e motivações dos moradores de Bacurau diante dos “alienígenas” que surgem. Eu utilizei aspas na palavra alienígenas porque me refiro ao termo da palavra como “algo que se apresenta como estranho ou desconhecido” e não como seres vindos de outro planeta. A violência dentro dessa nova dinâmica narrativa demonstra que, se é preciso agir de forma violenta, os moradores de Bacurau a fazem por extrema necessidade e parecem não se orgulhar disso.

“Bacurau” tem na sua narrativa um elemento que causa bastante incômodo porque, até nos momentos em que sabemos o que está ocorrendo no povoado, a trama é extremamente imprevisível. Devido ao longuíssimo primeiro ato que nos fez imergir completamente no filme e o fato dele se passar num pequeno povoado do interior do nordeste, mesmo se tratando de um futuro próximo, porém distópico, tudo soa muito real. E como Teresa criou o nosso vínculo com os moradores do povoado durante o primeiro ato, passamos a temer pela vida de cada um deles.

O filme “Bacurau” tem em seu elenco artistas inexperientes e veteranos. Porém, após o estabelecimento de Bacurau como protagonista, a unidade fixada entre os artistas que formam a população do povoado faz com que a gente não perceba quem é mais ou menos experiente no ramo audiovisual; o roteiro estabelece que todos daquele lugar são iguais. Silvero Pereira, Sônia Braga, Bárbara Colen, Karine Teles, Antonio Saboia, Thomas Aquino, Lia de Itamaracá, Udo Kier, Brian Townes, Luciana Souza, Alli Willow, Wilson Rabelo são alguns dos nomes mais importantes do elenco e que ajudaram a construir essa obra que, pelo menos para mim, já pode ser considerada um clássico do cinema brasileiro.

“Bacurau” teve uma campanha impecável pelo exterior antes de estrear nos cinemas brasileiros. Foi vencedor do Prêmio do Júri do Festival de Cannes (França), melhor filme estrangeiro no Festival de Munique (Alemanha) e melhor filme no Festival de Lima (Peru). No Grande Prêmio de Cinema Brasileiro, concorreu em 15 categorias e venceu em seis: melhor filme, melhor direção, melhor roteiro original, melhor montagem de ficção, melhores efeitos visuais e melhor ator (Silvero Pereira).

Parte do elenco em evento no Rio de Janeiro

Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles conseguiram transitar entre vários gêneros cinematográficos como Drama, Mistério, Suspense, Ficção Científica, Faroeste e Ação. E o resultado final foi uma obra impactante, genuína, original, única, inovadora e perfeitamente excepcional.

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